Comentário de Cornélio a Lápide a São Mateus 24,36

Comentário de Cornélio a Lápide a São Mateus 24,36

Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai. Como se Ele tivesse dito “ Não me pergunteis, ó meus apóstolos, quando Eu voltarei como Juiz, ou qual será o dia do Juízo Final, pois ninguém sabe disso, exceto Deus: e Ele não deseja que nenhum outro ser o saiba. “Ele os impediu”, diz Crisóstomo, “de desejarem saber aquilo que até os anjos ignoram.” Quanto ao momento em que o mundo chegará ao fim, existem várias opiniões.

1. Muitos supõem que o mundo chegará ao fim após ter existido por seis mil anos, assim como foi criado em seis dias, de acordo com o dito ou profecia de Elias: “seis mil” (anos?) “o mundo.” (Sex millia mundus, em latim). Essa opinião é provavelmente verdadeira, como mostrei detalhadamente em Apocalipse 20:4.

2. Alguns pensam que haverá exatamente tantos anos depois de Cristo até o fim do mundo quanto houve da Criação até Cristo. Eles baseiam essa ideia em Habacuque 3:2: “Ó Senhor, aviva a Tua obra no meio dos anos, no meio dos anos Tu a farás conhecida.” Mas essa passagem tem um significado diferente, como mostrei ali.

3. Em terceiro lugar, outros opinam que haverá tantos jubileus de anos no corpo místico de Cristo, isto é, na Igreja Cristã, quantos foram os anos que Ele completou em vida, a saber, 34. Estes, multiplicados por 50 (pois este é o número de um jubileu), perfazem 1700 anos. Portanto, acreditam que o Cristianismo durará tantos anos, e que depois disso ocorrerá o fim da Igreja militante e do mundo, e o início da [Igreja] triunfante: assim trata o Cardeal Nicolau de Cusa (Cardin. Cusanus) em seu tratado sobre este assunto.

4. Druillimarns, que viveu por volta de 800 d.C. e escreveu sobre São Mateus, diz: “Nossos ancestrais deixaram registrado que o mundo foi criado, o Senhor foi concebido e crucificado no dia 25 de março, e da mesma forma o mundo será destruído no mesmo dia; mas em que ano, não dizem.” Porém, essas coisas não têm fundamento.

5. um certo calculista, mais um bufão do que um profeta, afirmou que o dia do julgamento estava próximo e que ocorreria no ano do Senhor de 1666. Pois [disse ele] o Anticristo nascerá no ano de Cristo de 1626, reinará como monarca no ano de Cristo de 1656, morrerá no ano de Cristo de 1660, e finalmente o fim do mundo será no ano de 1666, e então acontecerá o julgamento. Ele prova isso, primeiro, a partir do fato de que este ano de Cristo, 1666, é o ano 6660 desde a criação do mundo, número que é perfeito e, portanto, nele se completará o curso do mundo. Segundo, porque é opinião dos antigos que o mundo durará seis mil anos. Terceiro, porque a primeira consumação do mundo, por meio do dilúvio no tempo de Noé, ocorreu no ano 1566 após a criação do mundo. Portanto, a segunda destruição do mundo por meio do fogo (conflagração) igualmente ocorrerá no ano 1656 após o mundo ser recriado por Cristo, porque, sem dúvida, então reinará o Anticristo, que pouco depois trará o fim do mundo no ano de Cristo de 1666. Quarto, porque São João no Apocalipse 13:18 diz que o número da besta, isto é, do Anticristo, será 666.

Se objetares com as palavras de Cristo: “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe”, ele responde: “Ninguém sabe”, a saber, no presente, isto é, quer dizer: Ninguém agora sabe o dia do julgamento, ao que não obsta o fato de que depois alguém venha a sabê-lo, seja por revelação, seja de outra forma.

Porém, essas coisas são frívolas e insensatas, como extensamente mostra Remachus de Vaux em um livro publicado contra este calculista, intitulado Harpocrates sive silentium [Harpócrates ou o Silêncio], onde demonstra que as palavras “ninguém sabe” se aplicam aos tempos subsequentes, quer dizer: Ninguém sabe, nem saberá: pois, como diz Teofilato, “Ao dizer isso, Ele também os proíbe de inquirem, para que aprendam depois. Pois o que nem Cristo sabe, quem o saberá?”

Além disso, aquele calculista erra no fundamento: pois ainda não se completaram seis mil anos desde a criação do mundo; portanto, o ano de Cristo de 1666 não será o ano de mundo 6660, como ele supõe, mas 5606. Portanto, aquiesçamos a Cristo dizendo: “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, mas somente o Pai”. SOMENTE O PAI. Que desde a eternidade estabeleceu e decretou em Sua mente o tempo desse dia, e o mantém em segredo consigo. Ademais, com o termo somente, não se exclui o Filho nem o Espírito Santo: pois também Eles sabem o dia e a hora do julgamento igualmente ao Pai, uma vez que todos têm a mesma essência, majestade, vontade, mente, poder, intelecto e ciência. A regra dos teólogos, de fato, é que o termo somente, se for acrescentado aos atributos essenciais de Deus (como é o conhecimento) e atribuído a uma pessoa divina, não exclui as outras duas, mas apenas as criaturas, que são de essência e natureza diferente; porém, em atributos nocionais, o termo somente exclui as outras pessoas divinas, quando se diz: somente o Pai gera, somente o Filho é gerado, etc.

Você dirá: Marcos, cap. 13, vers. 32, acrescenta: nem o Filho; pois assim têm o grego, o latim, o siríaco, o árabe, o egípcio, o etíope, o persa. Vários autores respondem de várias formas. A melhor resposta é aquela comum dos Padres; a saber: que o Filho, tanto como Deus quanto como homem, pelo conhecimento infuso, sabe o dia do juízo e da consumação do século: pois este conhecimento pertence àquele que foi constituído juiz do mundo. No entanto, Cristo nega saber isso como homem e como legado de Deus para nós, porque não o sabia de modo a poder revelá-lo aos homens, ou porque não tinha o mandato do Pai para revelá-lo. Assim, se um embaixador for interrogado sobre os segredos do rei, corretamente responde que os ignora, ainda que os saiba, porque os ignora como embaixador: pois como embaixador, apenas transmite aquilo que lhe foi confiado pelo rei para dizer; quanto aos segredos, o rei ordenou que ele os calasse.

O sentido, portanto, é o seguinte: somente Deus sabe em que ano, dia e hora ocorrerá o fim do mundo e o dia do juízo; e embora Deus tenha feito com que eu, Cristo, como homem, também soubesse disso – eu, digo, como homem privado, porque unido ao Verbo –, não, porém, como sou seu legado público aos homens, porque o Pai não me permitiu revelar esse dia aos homens, mas quis que eu o mantivesse em segredo, para que os homens permanecessem sempre vigilantes e se preparassem continuamente para ele. Portanto, vós, Apóstolos, não deveis ansiosamente inquirir de mim sobre esse tempo, o qual não vos posso dizer, e como legado, não o sei. (Similar é João 15:15). Assim dizem São Jerônimo, Crisóstomo, Orígenes, Beda, Teofilato aqui, e Santo Agostinho no livro 83 das Questões, questão 61, e Francisco Suárez na Parte 3, questão 40, artigo 2.

A isto se referem aqueles que explicam assim: Cristo, como homem, não sabia o dia do juízo, mas o sabia como homem-Deus. Isto é, o homem Cristo sabia o dia do juízo não em virtude de sua humanidade, mas de sua divindade. Assim dizem Santo Atanásio no Sermão 4 contra os Arianos, Nazianzo na Oração 4 sobre Teologia, Cirilo no Livro 9 dos Tesouros, capítulo 4, e Ambrósio no Livro 5 sobre a Fé, capítulo 8.

Outra resposta dá Maldonatus, entendendo que Cristo, mesmo como Deus, não sabia o dia do juízo, como que por ofício, porque é ofício somente do Pai predestinar, decretar e constituir o dia do juízo, e consequentemente conhecê-lo e revelá-lo a quem quiser, pois ao Pai pertence a providência, cuja parte é a predestinação. Esta exposição é mais aguçada e obscura; a primeira, porém, já dada, é mais sólida e clara.

Além disso, os Agnoetas foram considerados hereges por afirmarem que Cristo ignorava o dia do juízo, conforme testemunha João Damasceno no livro Sobre as Heresias. Foram chamados de Agnoetas, isto é, ignorantes. Seu fundador foi Teofrônio (também chamado Teunístio), no tempo do Imperador Valentiniano e do Papa Libério, por volta do ano 365 d.C., como relata Niceforo no Livro 18, capítulo 50. Veja Gabriel Prateolo em Sobre as Heresias, Livro 1, capítulo 19. A eles se refere parcialmente Orígenes no Tratado 30 sobre Mateus, que opina que Cristo, ao dizer isso, ignorava o dia do juízo, mas o soube após sua ressurreição: pois então foi constituído pelo Pai como juiz dos vivos e dos mortos. Porém, também isto é um erro: Cristo, desde o início de sua concepção, foi pleno de sabedoria e graça; portanto, não poderia crescer em nenhuma das duas.

Tradução: Pedro Henrique Melo